Atualmente o que mais escutamos sobre dados pessoais refere-se à sua proteção e/ou ao seu vazamento. São documentários nas principais plataformas de streaming, notícias, palestras, cursos, serviços, produtos, novas carreiras, todas ao redor da proteção dos dados e privacidade.
Boa parte do assunto está relacionada também com a necessidade urgente de integrar os processos de proteção de dados às empresas e respeitar a legislação.
Outro ponto que também tem se falado é sobre a criação instantânea de uma vantagem competitiva e o valor de mercado atribuído à implementação da proteção de dados.
Todavia, o ritmo do mercado econômico não funciona muito bem assim, há uma série de medidas e fatores que influenciam a criação e, principalmente, a permanência de uma vantagem competitiva. A concorrência revela a necessidade constante das empresas oferecerem os melhores produtos e serviços, caso contrário perdem os seus clientes para outras empresas. E neste caso, a vantagem competitiva que a empresa tem é experiência e o valor da privacidade que ela oferece e garante ao cliente[1].
Nesse sentido, a conformidade do ponto vista do cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados é uma apenas um dos pontos para iniciar um diferencial concorrencial, frente a outras marcas, mas não funciona como um passe de mágica. Por outro lado, a experiência do usuário e o sucesso da garantia da privacidade é que torna a proteção de dados um investimento com retorno garantido.
Contudo, a maioria das empresas e profissionais de proteção de dados não se atentam para a experiência do usuário (ou do cliente, ou do titular, como preferir denominar). O usuário é parte fundamental para o desenvolvimento de qualquer produto ou serviço, igualmente a continuidade da sua experiência.
Observa-se que na proteção de dados essa premissas e torna mais importante ainda porque está a se falar de mais de 140 países que buscam a proteção dos dados das pessoas para concretizar um direito único e exclusivo do e para o ser humano. Mas o foco, continuamente, são as empresas, não o usuário, que demonstra uma abordagem que não reflete um equilíbrio inteligente entre os objetivos de negócios e as necessidades do cliente.
As empresas e profissionais estão em sua maior parte preocupados em implementar (às vezes em um formato instantâneo) a proteção de dados de modo a estar em conformidade com a legislação para não receber multas e ter uma suposta vantagem competitiva. Contudo, se a implementação é realizada apenas para cumprir os requisitos da legislação por meio de modelos pré-fabricados com o preenchimento de tabelas e com intuito de dar checks, sinto em informar que dificilmente existirá a entrega do valor real e efetivo da privacidade.
Para além disso, é necessário ter cuidado para não cair na mesma cilada do direito do consumidor, que apesar de estar regulamentado há bastante tempo, ainda existe um índice altíssimo de reclamações judiciais, onde é mais fácil e barato pagar um dano moral do que respeitar o consumidor. Isso por si só demonstra que a existência de uma lei não reflete automaticamente no respeito aos direitos do usuário, e esse cumprimento também reflete o comportamento dos profissionais que atuam na área.Por isso os profissionais de proteção de dados devem pensar e atuar para além de promover a implementação da Lei Geral de Proteção de Dados, é necessário também ter a mentalidade de ensinar e educar as empresas/organizações para que exista uma verdadeira proteção dos dados o usuário/titular deve ser um ponto de referência.
Aparentemente estamos numa corrida de quem implementa mais ou mais rápido a proteção de dados e que se discute e se observa pouco a experiência do usuário (inclua aqui também os funcionários),pois há apenas o cumprimento de um processo sem a mudança da mentalidade e de cultura. Além disso, surge uma expectativa de que os dados pessoais estão protegidos quando na verdade existe apenas uma promessa de proteção – que o digam os contínuos vazamentos de dados a partir de empresas “teoricamente” seguras...
Portanto, entende-se que a solução para o problema não está, exclusivamente, na aplicação excelente da técnica (implementação das normas de proteção de dados), pois sem ajustar o titular/usuário no centro da privacidade não há a construção, tampouco, proteção dos seus direitos. Conceder ao usuário apenas um clique com “eu aceito os termos e condições ou aceito compartilhar meus dados”, não é proteger os dados, nem privacidade, pois desconsidera o que realmente importa para o cliente[2].
A experiência do usuário tem um papel crucial não apenas porque o foco da privacidade é o titular, mas sim, e sobretudo, porque os usuários estão cada vez mais conscientes a respeito dos seus direitos em relação à proteção de dados e não acreditam que muitas marcas não transmitem a confiança necessária quando se refere à privacidade[3].
Por essa razão é preciso olhar para a privacidade e para a experiência do usuário numa visão ampla, numa conjugação indispensável para os negócios, seja para oferecer um produto/serviço ou para estabelecer uma parceria de negócios. A privacidade deve estar presente desde os altos níveis executivos até o usuário, que está cada vez mais ciente da importância da privacidade e da escolha de marcas que protegem os seus direitos[4].
Por essa razão a vantagem competitiva não está em implementar a lei, mas sim em projetar serviços que entreguem a privacidade como parte da experiência do usuário. Nesse caso a organização será líder e muito mais bem sucedida, construindo uma base sólida para concorrer muito melhor no mercado[5].
O sucesso da experiência do usuário não está em apenas saber que a empresa está em conformidade ou não: isso, na verdade pouca importa para o consumidor. O mais importante é o usuário saber que a empresa/organização o coloca em primeiro lugar, tendo a certeza de que os seus direitos estão resguardados, seja antes, durante ou depois da utilização dos serviços.
Portanto, a proteção dos dados vai além de garantir um processo de implementação, é, sobretudo, despertar no usuário a lealdade e confiança por meio do valor da privacidade, que é desenvolvimento pela garantia dos seus direitos.
A privacidade passar a ser um elemento fundamental para o estabelecimento de uma relação de confiança, transparência e respeito entre as empresas e os titulares. Pois, as empresas que se destacam pelo valor da privacidade têm o seu diferencial competitivo, como foi demonstrado pela Apple, o Duck Duck Go e o Signal.
A Apple tem investido fortemente na promoção do valor da privacidade e esta tem sido a grande inovação da empresa, em desenvolver formas de se tornar mais transparente em relação ao uso dos dados. Por essa mesma razão tem sofrido ações judiciais por destacar o valor da privacidade em seus produtos. Igualmente, o site de busca DuckDuck Go teve um crescimento de 62% em 2020, justamente porque traz como foco a privacidade dos usuários – fazendo com os usuários deixem de usar o Google.
Outra empresa que se destacou foi o Signal que em menos de 1 mês ganhou mais de 7 milhões e meio de usuários por causa da controversa política de privacidade do WhatsApp e, principalmente porque o aplicativo destaca o valor da privacidade para os seus usuários.
Para já se conclui que não basta o cumprimento de normas, isso por si só não é suficiente para ser diferente ou inovador. É necessário ir além do que se supõe fazer, é preciso expressar, demonstrar e apresentar o valor da privacidade por meio de estratégias de negócios, que devem destacar a experiência do usuário, de modo a construir uma relação de confiança com os clientes e os parceiros de negócios.
[1]RAMSEY, Ryan. Business Thinking for designers. 2020. Invision. Disponível em<https://www.designbetter.co/business-thinking-for-designers>.
[2] STICKDORN,Marc; et al. Isto é design de serviços na prática. PortoAlegre, Bookman, 2020, p. 4.
[3] ANANT,Venky; et. Al. The consumer-data opportunity and the privacy imperative. MacKinsey & Company. 2020. Disponívelhttps://www.mckinsey.com/business-functions/risk/our-insights/the-consumer-data-opportunity-and-the-privacy-imperative
[4]HOFFMAN, David. Privacy Is a Business Opportunity. Havard BusinessSchool. 2014. Disponível emhttps://hbr.org/2014/04/privacy-is-a-business-opportunity
[5]STICKDORN, Marc. Service Design. The doing design festival, 2021, evento online.
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