LGPD e Licitações

A Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD - aplica-se a todas as pessoas físicas que realizem o tratamento de dados pessoais com finalidade econômica, bem como a todas as pessoas jurídicas, sejam elas de direito público ou privado. Desse modo, os Órgãos Públicos deverão, obrigatoriamente, observar os termos e diretrizes da LGPD quando da realização de Licitações e Contratos Administrativos. 

Tendo em vista que as Licitações e Contratos Administrativos terem ritos específicos, necessário se faz esmiuçar suas especificidades, especialmente quanto à aplicação das diretrizes da LGPD, o que se busca nesta oportunidade: 

Cronologia das legislações envolvidas 

A Constituição Federal de 1988[1], em seu art. 37, caput, disciplina os princípios que regem a Administração Pública, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Em seguida, no inciso XXI do mesmo artigo, estipula a obrigatoriedade de realização de licitação para contratações de obras, serviços, compras e alienações. 

Nessa esteira, em 1993, promulgou-se a Lei n° 8.666[2], denominada Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a qual regulamenta o estabelecido constitucionalmente, dispondo sobre as “obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dosEstados, do Distrito Federal e dos Municípios.”[3]. Tal normativa estipulou cinco modalidades licitatórias, sendo elas:  

Art. 22.  São modalidades de licitação: 

I - Concorrência;

II - Tomada de preços;

III - Convite;

IV - Concurso;

V - Leilão.

Para complementar a regulamentação dada pela Lei n° 8.666, em 17 de julho de 2002 foi publicada a Lei n° 10.520[4], a qual instituiu nova modalidade licitatória denominada Pregão. Por sua vez, esta norma regulamenta as aquisições de bens e serviços comuns, que são disciplinados da seguinte forma:

Art.1º Para aquisição de bens e serviços comuns, poderá ser adotada a licitação na modalidade de pregão, que será regida por esta Lei.

Parágrafo único.  Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado. 

Atualmente, encontra-se vigente o Decreto nº 10.024[5], de 20 de setembro de 2019, o qual regulamenta a licitação, na modalidade pregão, na forma eletrônica, para aquisição de bens e a contratação de serviços comuns, incluídos os serviços comuns de engenharia, em tempo que dispõe sobre o uso da dispensa eletrônica, no âmbito da administração pública federal.

O Parágrafo único do art. 1°, da Lei nº 8.666/93, disciplina os entes que se subordinam a estas normativas. Ipsis Litteris

Parágrafo único.  Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. (grifo nosso). 

Não obstante a regulamentação dada pela Lei nº8.666/93, no ano de 2016 foi promulgado o Estatuto Jurídico da Empresa Pública e da Sociedade de Economia Mista (Lei n° 13.303/2016[6]), o qual em seuTítulo II, Capítulo I regulamenta as licitações de tais entes.

Reitera-se que, em que pese a Lei de Licitações e Contratos Administrativos ainda estar em vigor, encontra-se em processo legislativo a Nova Lei de Licitações – PL n°4253/2020[7]- que foi encaminhado para sanção presidencial em 12 de março de 2021, que visae stabelecer normas gerais de licitação e contratação para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do DistritoFederal e dos Municípios, alterando a Lei nº 8.666/93. 

Em paralelo a isso, em 18 de setembro de 2020, passou a vigorar a Lei Geral de Proteção de Dados, legislação que, dentre outras premissas evolutivas para a sociedade, veio renovar o modelo de governança e segurança da informação, trazendo novas perspectivas sobre a guarda dos dados pessoais, sendo aplicada, também, aos processos licitatórios. 

O que é uma Licitação? 

Licitação é o procedimento administrativo pelo qual os Entes Públicos obtêm a melhor proposta financeira e/ou técnica para adquirir obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações. 

Entretanto, conforme aduz Barcelos e Dawison (2020, p. 104)[8] a Licitação poderá ser dispensável ou inexigível, conforme os ditames legais: 

A Lei pode estipular hipóteses em que o gestor poderá prescindir da seleção formal (licitação),realizando a “contratação direta” (dispensa ou inexigibilidade), o que ressalvará a obrigatoriedade de licitar, em sua perspectiva burocrática. 

Ressalta-se a exceção do art. 62 da Lei nº 8.666/93, que dispensa a formalização de contratos para casos específicos. Entretanto, via de regra, a Administração deverá celebrar contrato administrativo ou outro instrumento equivalente.

As fases da Licitação 

Dentre outras divisões existentes, as licitações possuem as seguintes fases:

Interna: A fase interna consiste nos procedimentos realizados pelo órgão administrativo antes da publicação do aviso e seu Edital licitatório. Neste documento, são dispostos os requisitos técnicos e documentais (Termo de Referência e/ouProjeto básico) que deverão ser abarcados pela empresa vencedora do certame. 

Externa: Ems uma, a fase externa é iniciada com a publicação do Edital, permitindo aos cidadãos e interessados solicitarem esclarecimentos e impugnações ao Edital formulado, tendo por fim a realização do certame e verificação da empresa melhor colocada, ou seja, aquela que, via de regra, assinará contrato administrativo com o Órgão.

Em qual dessas fases a LGPD precisa ser observada?

Tanto na fase interna quanto na fase externa das Licitações, a Lei Geral de Proteção de Dados precisará ser observada, haja vista os entes públicos estarem sob a órbita de tal norma. 

Além da observância do atendimento da finalidade pública das bases legais para tratamento de dados pessoais, dos princípios, da instituição de um Encarregado e da divulgação das práticas em veículos de fácil acesso[9], o Órgão Público, em sua fase interna, deve observar a governança dos dados ora recebidos, pois há a necessidade de inserção de diversas documentações contendo dados pessoais, dentre elas, justificativas técnicas, despachos e cotações de preços. 

As cotações têm por fim a verificação da média de preços do bem que a Administração tem interesse em licitar. Nelas são inseridos os dados pessoais dos responsáveis por tais informações. 

Já em sua fase externa, a habilitação jurídica faz o ente receber uma enxurrada de dados pessoais dos participantes da Licitação. Assim, o Ente Público, por sua vez, em seu programa de governança, deve manter sistemas de controles e processos internos para verificação da segurança da informação de tais dados, até mesmo daqueles tornados públicos em virtude do princípio da publicidade. 

O responsável pela elaboração do Edital deve estar ciente dos requisitos legais inerentes ao instrumento editalício, sendo competência da Lei nº 8.666/93dispor sobre os documentos necessários para a habilitação. Assim, a norma citada dispõe em sua Seção II, art. 27:

Art. 27.  Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a:

I - habilitação jurídica;

II - qualificação técnica;

III - qualificação econômico-financeira;

IV– regularidade fiscal e trabalhista;        

V – cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7o da ConstituiçãoFederal.  (grifo nosso) 

Como já elencado neste texto, a Administração Pública encontra-se regida pelo princípio da legalidade, restando vinculada ao que disciplina a norma. Ademais, como demonstrado, o art. 27 da Lei nº 8.666/93 é taxativo ao dispor em seu texto o termo “exclusivamente”. Desse modo, impossibilita que seja solicitado qualquer tipo de documentação - certificado, declaração e entre outros -relativa à Lei Geral de Proteção de Dados para fins de habilitação no procedimento licitatório. 

Due Diligence de Dados Pessoais

Em razão de a legislação de regência dos procedimentos licitatórios ser taxativa quanto aos requisitos de habilitação, como acima disposto, não é possível deixar de contratar o objeto de uma licitação por inobservância de outros critérios que não sejam aqueles. 

Entretanto, as boas práticas de governança direcionam para a estruturação de um programa de Due Diligence de Fornecedores, o qual já é prática rotineira na esfera privada, mormente diante da Lei Anticorrupção – Lei n° 12.846/2013[10]. 

O processo de Due Diligence de Fornecedores[11] compreende o estudo, análise e avaliação de informações de terceiros que possam vir a celebrar contratos com a Administração Pública. Assim, além da avaliação jurídica, econômico-financeira e técnica durante o procedimento licitatório, é possível que, após a declaração do vencedor e antes da formalização do contrato, seja realizada uma avaliação de adequação à LGPD do potencial fornecedor a partir da aplicação de um questionário em que seja possível se estabelecer o risco daquele fornecedor em baixo, médio, alto e muito alto. 

A partir dessa classificação, a Administração terá subsídios para tomar decisões quanto à gestão desse contrato, seja para realização de monitoramento frequente, adoção de alguma medida corretiva ou, até mesmo, rompimento do vínculo, a depender da gravidade do que foi apurado.

Conclusão 

No Brasil, a instituição de procedimentos licitatórios e sua evolução por meio das diversas leis que regem o tema tiveram o escopo precípuo de conferir maior transparência à utilização dos recursos financeiros da Administração Pública, priorizando a seleção de fornecedores sob a égide dos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, probidade e eficiência.

Contudo, com a rápida velocidade da globalização, outros princípios passaram a se mostrar como essenciais no panorama legislativo mundial. Dentre tais postulados, o respeito à privacidade e a proteção dos dados pessoais tem se mostrado um pressuposto essencial para o estabelecimento de relações contratuais, seja na esfera pública ou na privada.

Por isso, conforme exposto, é necessário que a Administração Pública esteja sempre atenta à constante evolução do tema e, enquanto a privacidade e a proteção dos dados pessoais não se tornam requisitos legais de habilitação nos procedimentos licitatórios, cabe ao Poder Público utilizar ferramentas como o Due Diligence de Dados Pessoais deFornecedores a fim de se resguardar diante de eventual desrespeito aos ditamesda LGPD.

 

[1] BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15 de mar. 2021

[2] BRASIL. Lei n. 8.666 de 21 de junho de 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666c/ons.htm>. Acesso em 14 de mar. 2021

[3] BRASIL, op. cit., nota 2

[4] BRASIL Lei n. 10.520 de 17 de julho de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10520.htm>. Acesso em 14 de mar. 2021

[5] BRASIL. Decreto n. 10.024 de 20 de setembro de 2019. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D10024.htm>. Acesso em14 de mar. 2021.

[6] BRASIL. Lei n. 13.303 de 30 dej unho de 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13303.htm#:~:text=suas%20respectivas%20subsidi%C3%A1rias.-,Art.,Par%C3%A1grafo%20%C3%BAnico.>. Acesso em14 de mar. 2021

[7] Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8879045&ts=1616435103348&disposition=inline>. Acesso em 14 de mar. 2021.

[8] BARCELOS, DAWISON. Licitações e contratos nas empresas estatais: regime licitatório e contratual da Lei13.303/2016/Dawison Barcelos e Ronny Charles Lopes de Torres/ 2 ed. rev., atual e ampl. – Salvador: Editora Jus Podivm, 2020.

[9] MALDONADO, N. V; BLUM, R. (Coord).LGPD: Lei Geral de Proteção de Dados Comentada 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

[10]BRASIL. Lei n. 12.846 de 1º de agosto de 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm.>. Acesso em14 de mar. 2021

[11]Disponível em: https://www.convergenciadigital.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActiveTemplate=site&UserActiveTemplate=mobile&infoid=51208&sid=15 . Acesso em: 24 de mar. de 2021.

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Blog Post escrito por:
Carolina Matias