Ao tratar desse tema tão interessante e importante, inicialmente, trazemos algumas reflexões:
Hoje, analisando suas relações pessoais e profissionais, você considera que sempre age de forma transparente e com honestidade?
Você entende que, tanto na vida pessoal, como na profissional, caso aja com boa-fé e adote o que as leis e normas estabelecem, caso ocorra algum problema, a sua situação poderia ser atenuada?
Você se considera uma pessoa de princípios?
Pensando em privacidade, que é o tema do momento, e na esfera profissional, você garante que a sua empresa somente realiza tratamentos de dados pessoais de forma regular, se baseando, também, na boa-fé e na ética?
Como você se sentiria se descobrisse que estão tratando seus dados pessoais sem o seu conhecimento e sua autorização?
Essas são perguntas que precisam ser levadas em consideração, não somente para efeito de cumprir as legislações vigentes, mas também, em uma segunda análise, para demonstrar o quanto o seu comportamento pode ajudá-lo em situações problemáticas.
Pensemos em princípios. O termo tem origem do latim principĭum, que significa “origem", "causa próxima", ou "início”. Todos conhecemos a boa e velha expressão “pessoa de princípios”. Essa expressão denota que alguém pauta sua conduta na moral, na ética. É considerada uma pessoa de comportamento correto.
Para a aplicação justa das leis, pensar em princípios é imperioso. O princípio é a base que vai dar o alicerce para determinada conduta. Juridicamente, um dos mais importantes é o da boa-fé, que busca determinar ética nas mais diversas relações obrigacionais.
A boa-fé tem origem no Código Civil Alemão de 1900, devendo reger a relação entre as partes, refletindo em toda a teoria alemã de contratos.
Remete, a mencionada boa-fé, à lealdade, justiça, sinceridade e boas intenções. Em suma, deveria ser o mínimo considerado para toda e qualquer ação. Hoje, no cenário brasileiro, a boa-fé é apresentada em duas modalidades: subjetiva e objetiva.
De forma simplificada, podemos dizer que a boa-fé subjetiva é aquela em que a pessoa pensa estar se comportamento corretamente, dentro da lei. Já a boa-fé objetiva enseja lealdade, ou seja, que as pessoas se comportem da forma que foi combinada, seguindo determinadas regras.
Abaixo, o Doutor Luciano de Camargo Penteado (PENTEADO, 2016) diferencia as duas modalidades de boa-fé:
“Tradicionalmente, no estudo da boa-fé, é comum distinguir a boa-fé objetiva da boa-fé subjetiva. A primeira atua como modo de interpretar negócios jurídicos (CC 113), como fonte de criação de deveres secundários de prestação (CC 422) e como limitação ao exercício do direito subjetivo em sentido amplo (CC 187). A segunda consiste em estado de ignorância, análogo ao erro negocial, daquele que não sabe estar em uma situação irregular e, nada obstante essa nesciência, atua como se titular do direito fosse, ainda sem a titularidade e sem a consequente legitimação para o exercício. Poderia se afirmar que, se legitimação há, esta é de fato, mas reconhecida pelo sistema justamente por conta da putatividade resultante da ignorância”.
No direito brasileiro, temos alguns exemplos:
Art.51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV -Estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Sobre haver uma referência à boa-fé na Constituição Federal de 1998, as opiniões variam, no entanto, entendemos que o artigo 3º, em seu inciso I, já abarca boa-fé, pois uma sociedade justa, por exemplo, já enseja condutas corretas, lealdade e equilíbrio de direitos.
Segue artigo abaixo:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - Construir uma sociedade livre, justa e solidária.
E por considerar que as relações jurídicas precisam ser pautadas não somente em leis e normas, mas também em valores sociais, é fundamental compreender a importância da boa-fé em toda e qualquer relação, jurídica ou não. Quando se pensa em privacidade e proteção de dados pessoais, é salutar que as relações sejam transparentes ,dotadas de condutas corretas e não impeçam que o titular de dados pessoais tenha colocado em risco seus direitos e liberdades.
É necessário que se respeite padrões sociais e regras de conduta, que cada dado pessoal seja tratado com o conhecimento de seu titular e que a privacidade de todos, tal como direito fundamental, seja preservada em qualquer tratamento realizado.
Dispõe a LGPD, em seu artigo segundo:
Art. 2º A disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamentos:
I - O respeito à privacidade;
II - A autodeterminação informativa;
III - A liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião;
IV - A inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem;
V - A desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação;
VI - A livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e
VII - Os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais (grifo nosso).
A própria LGPD traz, como fundamentos, os direitos humanos e a dignidade, demonstrando a importância do respeito ao ser humano, estando aqui implícito o princípio da boa-fé, bem como a necessidade da preservação dos direitos fundamentais de todos.
Ao elaborar um contrato ,por exemplo, é de suma importância que ele esteja adequado à LGPD e a todas as leis de privacidade vigentes e aplicáveis, de forma que as partes fiquem cientes de quais são seus papéis e suas responsabilidades, bem como entendam os riscos envolvidos, e tenham seus dados pessoais protegidos.
Quando da utilização de cookies em um website, por exemplo, dar aos titulares de dados pessoais a opção de preferência sobre os referidos cookies, demonstra a boa-fé. Ou seja, deixar que ele escolha o tipo de cookie e não apresentar as caixinhas já marcadas, para que ele precise se opor à utilização.
Ainda, a LGPD menciona o princípio da boa-fé, em seu artigo 6º: “As atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé e os seguintes princípios...”. Logo, ao tratar dados pessoais, é essencial presumir o uso da boa-fé.
Tratemos, agora, sobre ética.
A Ética é a área da Filosofia que discute o comportamento moral. Não por acaso, a palavra “ética” vem do grego éthikos e significa modos de ser. Em outras palavras, esse termo pode ser entendido como a reflexão sobre o comportamento moral.
O primeiro filósofo a tratar da ética como uma área própria do conhecimento, foi Aristóteles, dizendo que a virtude é o "bem agir" baseado na capacidade humana de deliberar, escolher e agir.
Immanuel Kant (1724–1804), filósofo alemão, traz o conceito de que a ética se baseia no dever e na razão, considerando que os seres humanos são capazes de agir racionalmente, podendo decidir se suas ações são corretas e se podem ser praticadas.
De forma resumida, a ética é o conjunto de padrões e valores morais de um grupo ou indivíduo. Quando se fala em ética profissional, considera-se o comportamento dos colaboradores dentro do ambiente de trabalho.
E por que ter ética é tão relevante? Atuar com ética é essencial em qualquer parte de nossas vidas, pois além de denotar educação demonstra respeito aos valores e a responsabilidade com a sociedade.
Com a velocidade da evolução da tecnologia, com o mercado focado em dados, e pelo fato de a proteção de dados pessoais ter se tornado um direito fundamental, é importante falar um pouco sobre ética de dados. E aqui, a ciência de dados será uma aliada importantíssima.
Hoje, o mundo digital é uma extensão da vida humana, logo, compreender esse mundo e realizar ações benéficas para a sociedade cooperam para a evolução digital e para a manutenção da harmonia em sociedade.
E aqui, questionamos: como manter a ética e preservar a privacidade, levando em conta o alto valor e a comercialização dos dados? Como acompanhar a evolução sem infringir as leis de privacidade e proteção de dados pessoais vigentes? Não é uma tarefa fácil e, justamente por isso, falar em ética de dados é essencial.
Privacidade e ética caminham lado a lado, e algumas ações são necessárias para que ambas sejam consideradas e preservadas quando do tratamento de dados pessoais.
Quando tratamos sobre ética de dados, é imperioso considerar:
- O que é obrigatório por lei;
- A necessidade de clareza sobre a utilização dos dados;
- O ciclo de vida dos dados;
- A segurança das informações;
- O que é esperado do ponto de vista moral e ético.
Ao tratar dados (pessoais ou não), deve-se considerar a ética desde o início do tratamento, em uma relação muito parecida com o que ocorre com Privacy by Design. Antes de coletar dados, quaisquer que sejam eles, devemos entender por qual motivo eles serão utilizados e como serão protegidos.
Tendo uma finalidade para cumprir, o tratamento precisa ser justificado por uma das 10 bases legais elencadas pela LGPD e ir ao encontro dos princípios legais.Dessa forma, o tratamento será considerado regular, cumprindo o que solicita aLei.
Se a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – Lei nº 13.709/2018), por exemplo, exige que haja transparência com os titulares de dados pessoais, e a organização não tem uma política de privacidade clara e objetiva, quanto ao tratamento de dados pessoais, aqui há uma violação ética, além de legal.
Quando a empresa não permite o exercício de direitos aos titulares ou discrimina alguém em algum tratamento que envolva dados pessoais, também ocorrem violações.
Dispõe o artigo sexto da LGPD:
Art. 6º As atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé e os seguintes princípios:
VI - Transparência: garantia, aos titulares, de informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento, observados os segredos comercial e industrial (grifo nosso).
Portanto, é imprescindível que se compreenda que o titular de dados pessoais precisa saber e entender o que será feito com seus dados. Cedê-los deve ser uma escolha consciente, ainda que haja uma obrigação legal em torno disso.
E quando nos referimos a “cedê-los”, não estamos considerando apenas a base legal do consentimento, mas sim, considerando que, independentemente do tratamento a ser realizado e da hipótese legal aplicada, o titular de dados pessoais precisa ter conhecimento sobre a utilização de seus dados.
Além de todos os pontos trazidos, vale apontar que a adequação à LGPD se tornou um diferencial de negociações. E por qual motivo? Porque quando você arruma a sua casa, você não quer receber visitantes bagunceiros. Porque quando você compra algo pela internet, os termos de uso e serviços precisam ser objetivos e lhe informar sobre como seus dados são tratados. Porque quando se limita a liberdade, a espontaneidade diminui. Toda e qualquer prática questionável precisa ser eliminada, com o intuito não somente de cumprir leis, mas, também, de respeitar a sua liberdade.
Fato é que a sociedade vive de dados, que todos nós estamos mergulhados em tecnologias e que está cada vez mais difícil as leis acompanharem a velocidade desta evolução. No entanto é de suma importância que, ao compartilhar seus dados, isso seja escolha sua e, ao tratar dados, as organizações respeitem os direitos fundamentais tal como preservem a privacidade de todas as pessoas, sem que tenham que ser cobradas, diariamente, por isso.
Consultas:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
https://pt.wikipedia.org/wiki/Boa-f%C3%A9
https://jus.com.br/artigos/49184/dissecando-o-principio-contratual-da-boa-fe-objetiva
https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89tica
https://www.todamateria.com.br/etica-aristotelica/
https://www.significados.com.br/etica-kantiana/
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